quinta-feira, 27 de outubro de 2022

A criança, o parquinho e o balanço

  Acordei com uma cara de ressaca e fiquei enrolando na cama até ter forças para sair dela e começar o dia.

 Comi e resolvi dar as sobras para o morador de rua que vive em sua barraca no estacionamento da frente da janela.  Ele é sempre simpático: me cumprimenta quando me vê sempre com um sorriso no rosto.  Desci e ele não estava por perto, nem o seu cachorro caramelo. Deixei a marmitinha junto de outras que estavam ali e resolvi andar pelas quadras.

Fui andando por um caminho fofo, tomando a dose diária de vitamina D, ouvindo os pássaros cantarem e meus passos mais pesados que o normal. Ninguém ouvira, pois estavam dentro de mim. Caminhar parecia algo pesado e dolorido, mas continuei, dia tava bem bonito. 

Andando por meio dos blocos residenciais, achei um que tinha um parquinho, bancos e monte de criança daquele condomínio brincando. Me sentei no banquinho ( sim, eu não podia usar o balanço daquele parquinho, mas vontade existiu) e fiquei olhando pro nada. Ouvia os pássaros, as cuidadoras das crianças conversando, os passos de outros que passavam por ali, as próprias crianças. Ouvia tudo. Parei por um segundo e comecei a prestar atenção na movimentação daquele parquinho: tinham umas 5 crianças. Corriam, gritavam, choravam, davam risada e faziam merda. Ah, que delícia só viver sem se preocupar! 

Era o que vinha na minha mente. Relembrei de quando era criança e de todas as coisas que fiz, desde as ruins as boas, e não imaginava o quanto eu andei com a vida. O desejo de voltar a ser criança para não ter nenhuma responsabilidade, preocupação e todo o combo da vida adulta, ressoava dentro de mim, mesmo eu sabendo que era impossível. Quer dizer, possível é, mas as consequências são devastadoras. 

A única preocupação de uma das crianças era ir ao balanço e nenhum amiguinho foi lá ajudá-la a balançar. Ela tentou de muitas formas pegar impulso, mas parecia que ela iria dar uma volta completa nela mesma. Até que chegou um menininho e deu um empurrão. Ela conseguiu aquele impulso e sensação mágica do balanço por 3 badaladas até acabar e ela ficar sozinha de novo, porque o amiguinho já tinha ido embora. Tentou de novo sozinha e desistiu. Sua cuidadora a chamara e ela saiu do brinquedo, indo em direção à moça para comer laranja. Antes de sair por completo da área, ela parou, voltou, ficou com as duas mãos na areia, agarrou alguma coisa, cheirou e devolveu. Não esboçou nenhuma reação ao cheirar, só devolveu pra areia e saiu correndo.

Era isso. Simples.  Não se preocupou se o que pegara fosse um cocô de cachorro, ou carcaça de algum animal ou, simplesmente, um pedaço de árvore. Ela só fez e foi comer sua laranja felizona. Eu fiquei observando e só não fui ajudá-la, porque as cuidadoras olhavam para mim com certa desconfiança. Mas a criança ter tentado sozinha se balançar, mesmo não sabendo que dava e o impulso era para trás, me deixou com coração quentinho - este que está totalmente apático e remendado. O esforço dela foi bonitinho e, quando alguém chegou para ajudá-la, até ficou mais relaxada. Essa aprendeu cedo que,se quer as coisas feitas, tem que fazer por ela mesma. Talvez não criara essa consciência e nem vai perceber ou lembrar quando ficar mais velha, mas pela maneira que ela tentou, deu pra ver que essa menina vai ser ferro. 

No meio de toda essa brincadeira de criança, observava tranquila enquanto buscava um pouco de paz interior.  Voltei pro meu caminho, estava chovendo, mas o céu estava aberto e não tinha nenhuma nuvem no céu, mas choveu o caminho de volta inteiro.